Finalmente perguntou-me, e nao é importante para ti saber se há algo depois da morte, se existimos?- NAO!. Deixa-me dizer-te uma coisa, meu amigo, depois de morto esta-se muito, mas muito morto. E durante muito tempo. Tempo suficiente para nos entretermos com a morte, tempo suficente para perder à vontade, e conhecimentos (e experiencia) suficientes para responder a todas as questoes, se ainda forem importantes.
Afinal quem é Deus? Um personagem gasoso, sem graça. Um velhote de barbas brancas, distraído e trapalhão. Eu se tivesse deuses tinha sem duvida os de religioes politeistas.
É que ao menos nas religiões politeístas há Deuses malévolos e feios para odiar e para atirar com as culpas; e Deuses simpáticos; deuses com vícios humanos, que se contorcem na fogueira das paixões, que se embebedam e vão às putas e fazem filhos a torto e a direito e que por isso tem a capacidade de compreender o homem, criado à sua imagem.
Há um erro conceptual qualquer em qualquer lado, não há? Parece que o velhote terá feito o mundo em sete dias, ou em seis tendo descansado no sétimo. Não é um pouco apressado? Parece coisa de doente terminal, fazer tudo o mais depressa possível para não corre o risco de não terminar a obra.
Vindo de um personagem perfeito, parece-me que o Homem é uma criação que deixa muito a desejar. Criado à sua imagem, dizem. Mas imperfeito. E não me venham com a autodeterminação da Humanidade e não sei o quê. Aqueles que dizem que sim, que deus criou o homem mas depois deixou ao discernimento do próprio a escolha entre o bem e o mal. Primeiro, se ele criou tudo, se a criação fosse assim tão boa, antes de tudo, não haveria mal. E não quero dizer com "mal" só as más acções, o papão, o Belzebu, falo também das malformações fetais, das alterações genéticas, dos comportamentos desviantes e tudo mais que é incompatível com uma obra realizada por um ser omnipotente.
Por outro lado, que dizer das obras perfeitas que o Homem realizou? Que deus as inspirou, que foi a mão de deus, a grandeza de deus, e sei lá o quê... não me parece. Então deus afinal interfere nas acções dos homens, mas só nas boas, o que é injusto. E é injusto que sendo os homens todos iguais perante deus, uns mereçam milagres e outros não. Que alguns tenham a bênção da saúde, dos bens materiais, do amor, e de tudo o mais. Como compreender que haja outros a morrer de fome, de sede, de tortura, de violência indizíveis, de abusos, como conceber a ideia de deus perante uma criança contorcer-se de dor enquanto luta contra um cancro?
Na minha opinião? Deus não criou o Homem, o Homem criou deus. Por duas razões. Primeiro pela necessidade prática de explicar o desconhecido e segundo pela necessidade ainda maior de se perpetuar, de acreditar que a existência não se esgota na tirania final, absoluta e definitiva do nosso corpo.
Infelizmente vivemos sob a ditadura de uma materialidade que nos arrasta irremediavelmente para a dissolução. Há que aceitá-lo. A consciência desse facto faz-me aproveitar mais os dias, mais as cores, mais a música, mais a arte, mais os cheiros, mais o sol, mais a lua, mais tudo. Faz-me respirar todas as madrugadas e absorver todas as noites e pensar como é bom sentir, pensar, viver. E acreditar no Homem. Não há céu, não há inferno, todo o mal e todo o bem tem origem no Homem. A minha religaiao é a Humanidade.