Wednesday, November 02, 2005

O pecado

Não sei muito bem o que entendiam por pecado. Mas da lista faziam parte actos simples como colocar o pão com a parte de baixo para cima, não comer a comida toda do prato, espanar migalhas de pão para o chão, etc. Nesses pequenos detalhes eram severos mas na cobiça, na agressividade, muitos na mesquinhez, na maldade, na prosápia eram fecundos. Também, que importava? Afinal Deus tudo perdoa. Se a vida fosse longa, haveria muitos serões frios e longos para, ao calor reconfortante da lareira pensar em tudo e pedir misericórdia, rezando pela noite dentro as novenas, para ajudar a passar o tempo. Se a Morte viesse asinha, chamava-se o Padre que, mediante um arrependimento formal administrava a extrema Unção, como uma injecção de antibiótico espiritual que abluía a alma de todas as bichezas do pecado. E se a maldita chegasse traiçoeiramente, sorrateira e suave como um véu calando num instante a chama da Vida, havia sempre o consolo das missas póstumas que os que ficavam encomendavam para pedir misericórdia para a alma dos que haviam partido.


Imagem: Mark Chagal, Adão e Eva

3 Comments:

Blogger Rosario Andrade said...

BOM DIA? Em que parte do globo é que tu estás?
...pois é... o pikado... como é que que eu adivinhei?

Abracicos!

10:36 PM  
Blogger Elipse said...

Pois bem, o pecado. Essa coisa peganhenta que ainda hoje nos apoquenta, por mais que nos queiramos emancipados e modernizados. Inexplicável, não localizável mas a estragar muitas vezes os nossos bocadinhos de felicidade. Coisa irracional, mas real. Heranças velhas.
Maldito peso.

12:18 AM  
Anonymous Anonymous said...

Sepulcros caiados, sem dúvida. Texto oportuno e satírico. Gostei.

1:57 PM  

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