Monday, April 10, 2006

As almas

(Amadeo de Souza-Cardoso-Procissão Corpus Christi )
A Quaresma era um período de intensa fermentação religiosa. Aos jejuns, à abstenção de todos os prazeres juntavam-se as obrigações dos inumeráveis terços e novenas. Apenas era permitido cantar músicas alusivas à época. Lembro-me da minha mãe no tear a entoar os cânticos que descreviam o martírio do “Senhor”. Por vezes chamava-me, anda, vem “cantar as almas comigo”.
“Jesus Cristo está no horto
à sombra do acipreste
os anjos lhe estão cantando
recordai Divino Mestre”.
Ou a minha preferida devido à melodia lenta e pungente
“O Santo Cristo do Outeiro
tem dois galos no seu sino
tem dois galos no seu sino.
Cada vez que o galo canta
recorda o Verbo Divino.
Recorda o Verbo Divino."
Durante a Quaresma, pela noite alta, juntavam-se grupos de pessoas e em pontos estratégicos da aldeia cantavam estes e outros cânticos, numa actividade que se chamava “encomendar as almas”. Não sei se por ser durante a noite cerrada e gélida, em que nenhum outro som se manifestava, ou pela melancolia aflita e pungente das músicas, soavam na noite como gritos dilacerantes de uma beleza sobrenatural. No dia seguinte as pessoas comentavam, -ouviste encomendar as almas? Que bem cantavam…quem seriam? A mim pareceu-me ouvir Fulana ou Sicrano.
Os mais velhos contavam que antigamente, na Sexta-feira Santa, dia da “Morte do Senhor”, toda a aldeia era lamentação e pranto. E porque ao Senhor tudo tinha sido negado, as pessoas não podiam realizar nenhuma tarefa da vida quotidiana. Não podiam lavar a cara, arrumar a casa, ir à horta ou falar com quem quer que fosse.

13 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Não nos devemos esquecer de avisar a amigos ou forasteiros que venham a nossa aldeia nestas datas ... se não podem apanhar um grande susto!!.
Saudações Rosario. Este ano me lembrarei de tí quando escute as almas.

11:27 AM  
Anonymous Anonymous said...

Um equivalente popular possivelmente tão imponente como a grande música sacra erudita ou os cânticos religiosos da alta idade média. Bem gostaria de poder ouvir (ter ouvido?) isso

12:41 PM  
Anonymous Anonymous said...

Bom dia!
Chaga,
...eu também nao tenho deuses (embora ache piada aos deuses gregos, que na minha opiniao sao tao validos como qualquer outro). Muitas destas tradicoes, embora ligadas hoje em dia a religiao catolica tem na verdade a sua génese em rituais pagaos.

Rosalina,
Entao vais a Carcao na Pascoa!... eu vou estar a trabalhar todo o fim de semana. Aproveita bem!...

Badger,
Boa Pascoa. Ha mais tradicoes relacionadas com a Pascoa mas o post ficaria demasiado grande. Eu depois completo...

Mabeco,
...ves! Agora ja tens desculpa abencoada!

Pirata,
Por enquanto a tradicao mantém-se... pelo menos enquanto os mais velhos permanecerem. Creio também que existem algumas gravacoes.

Bjicos para todos

1:04 PM  
Blogger Santa said...

Minha querida. Agradeço por manter o meu Blog vivo. Que saudades!!
Beijos!!!! Santa.

4:32 PM  
Blogger rps said...

Eu lembro-me de o mue Avô por gravata preta, após o almoço de quinta-feira santa...

7:09 PM  
Blogger Eridanus said...

bons tempos, boas tradições e melhores raízes... muito haveria a contar, desse passado que foi ontem... quando as árvores cresciam sem quererem atingir os céus... e depois, curvando-se, envelhecendo, entreteciam a manta onde as suas próprias sementes criavam novas raízes... e tudo se renovava...mas agora...

9:22 PM  
Blogger Caiê said...

Olá! Obrigada pela visita, permitiu-nos conhecer-te.
As minhas tradições pascais eram absolutamente diferentes, porque também o era a minha Páscoa.
Gosto muito de ir espreitando vidas diferentes da minha... ;)
Abraço e porta-te. ;)

5:25 PM  
Blogger Folha de Chá said...

Não conhecia esta tradição de encomendar almas. Mas ouvi-las cantar devia ter mesmo um cunho de magia. :) A estas tradições, nada como as manter bem aconchegadas.

5:28 PM  
Blogger TR said...

Eu tenho também muitas recordações boas e más da Páscoa, mas eu com o tempo degenerei completamente. O melhor da Páscoa era naturalmente juntar a família naqueles almoços intermináveis, que ainda hoje acontecem, apesar do pesar da época. Um dos gestos que sempre me fez confusão era (e é) a "oblata". Lembro-me disto perfeitamente, porque quando era pequena e passava muito tempo em casa da minha avó, assistia sempre a colheita desse dinheiro, colheita que era feita de casa em casa por paroquianos. Na altura o que mais me impressionava era que eles anotavam num papel o nome da pessoa e a oferta que dava. Aquilo para mim era algo de inviolável e assustador, pois fazia com que o Jesus na teoria(o senhor padre, na prática) gostasse mais ou menos de nós... enfim.... já ia disparar num texto gigante... sorry!A culpa é tua e das coisas que tu me lembras Rosarinho!!! :-))

9:34 PM  
Blogger Pé de Salsa said...

Boa noite Rosário

Por falta de tempo não tenho podido comentar alguns dos interessantes assuntos e as belas imagens que aqui nos tem trazido.
No entanto, não me esqueço de a "espreitar" e quero desejar-lhe e a todos os visitantes e comentadores deste espaço uma Páscoa bem doce.
Lembro que já enviei algumas fotos e não sei se as recebeu. Só por isso parei o envio.
Beijinhos
Pé de Salsa

10:54 PM  
Blogger GNM said...

Rosário,
Passo, leio-te e deixo-te um sorriso!

Abracios!!

11:16 PM  
Anonymous Anonymous said...

Enjoyed a lot!
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7:19 AM  
Anonymous Anonymous said...

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6:55 PM  

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