Tuesday, August 16, 2005

A Promessa

Na aldeia, a melhor forma de resolver uma situacao dificil era fazer uma promessa a um dos santos. Não directamente a Deus, não... Deus é um ser muito ocupado, a manter actualizados os registos dos pecados e a dirigir a grande empresa do céu. Não que se duvidasse da inquestionável acrosofia e omnipotencia, mas por se temer que as preces, tão numerosas e tão vastas, se perdessem na burocracia do poder divino central. Daí a grande vantagem de se ter disponivel um vasto conjunto de acessores, santos e nossas senhoras altamente especializados e convenientemente acessíveis, uma espécie de descentralização divina disponibilizada pela Santa Madre Igreja. Era de facto muito mais reconfortante interpelar directamente um santo diligente e conhecedor da matéria e dos trâmites celestes do que pacientar pelo desfecho de um longo e complicado processo. As promessas variavam entre novenas, quantias de dinheiro, doacoes de géneros e manifestacoes públicas de auto-flagelacao como fazer a procissao a volta da aldeia de joelhos. Havia no entanto, uma modalidade adicional muito popular: fazer os putos pagar as promessas. E porque nao? Se os diabretes se metessem em sarilhos, ou se tombassem doentes ou o que fosse, porque nao haviam eles próprios de agradecer ao santo que os tinha livrado das trapalhadas?
Certa vez, durante uma aflição qualquer, a minha mãe fez a promessa de levar o meu irmão vestido de São João na procissão da Nossa Senhora das Graças. Depois de muita luta contra aquilo que pareciam saias, o catraio lá se resignou à túnica branca de cetim atada na cintura com uma corda dourada. No entanto, durante a procissão, começou a comparar a sua indumentária com a de um colega que pagava a promessa da respectiva mãe, vestido de São José. O São José era carpinteiro e como tal, para personificar o Santo era imprescindível a presença das ferramentas alusivas à profissão. O meu irmão sentiu-se diminuído, o triste do São João era apenas um vagabundo com muita lábia, e começou a cobiçar as ferramentas do outro. Dá-me o martelico, dizia ele. Num dô, respondia o outro. Então dá-me a serrica. Num dô. Tanto implorou sem sucesso que ali mesmo, sem apelo nem agravo, espetou dois pontapés certeiros ao avarento do São José, tomou-lhe todas as ferramentas e fugiu enquanto o outro se desfazia num berreiro em plena procissão. Foi a última vez que a minha mãe se atreveu a levar um de nós mascarado de santo durante a procissão...

2 Comments:

Blogger Rosario Andrade said...

Querido frog,
Acho que dessa vez o meu irmao deve ter passado sem os óbicos... nao me admirava nada que em vez disso tivesse tido um balente par de chapadas estreladas nas moncas... mas ele era manhoso, provavelmete nao se deixou apanhar facilmente...eheh

3:22 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

Irmao Pinto Ribeiro!!!!
Bem vindo ao meu blogue! (Sou a Isis, lembras-te? dos comentarios do DA).
Obrigada pelos amaveis comentarios.
De facto é uma falha minha ainda nao ter linkado o Porko, uma vez que o leio todos os dias... é para hoje mesmo. O Cavaco ainda nao conheco...sorry!
Cumprimentos

9:36 AM  

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