Monday, September 12, 2005

Cuidados de saúde- O Passado

Origano hirtum vulgare

Na aldeia, as explicações da realidade baseavam-se sempre no surreal, no oculto e no espiritismo. Barulhos estranhos, provocados por ratos e outros bichos, os estalidos naturais da madeira, ou todas as manifestações que não eram provocadas por uma causa visível eram facilmente aceites como sinais de bruxaria, se ninguém tivesse coragem para verificar a sua origem.
Brotoejas de toda a espécie, afecções da pele que se manifestavam com verdilhão e edema, apesar de não se ter visto o agente causador, eram consideradas "cocho". Esta palavra englobava um largo espectro de problemas que se acreditava serem originados por bichos nefastos e diabólicos que ninguém vira, que deixavam um rasto de bruxedo prurítico. Perante uma dessas situações, uma das bruxas da aldeia era chamada para esconjurar o mal com rezas e poções feitas de ervas dos montes, ossos de animais e outros ingredientes secretos.
Para as afecções com causa identificada recorria-se a remédios tradicionais: chás, xaropes, pastas, caldos. Chá de orégãos e funcho (fiolho, como na região se chamava) para males de estômago, chá de folha de oliveira para sinais de hipertensão. O tratamento da diarreia fazia-se com as pectinas resultantes da cozedura de arroz carolino.
A obtipação das crianças era tratada com um clister muito pouco convencional mas muito eficaz. Escolhia-se um caule de couve de um diâmetro adequado, untava-se com azeite e introduzia-se no ânus do catraio. Por mais teimosa que fosse, nao havia obstipação que persistisse.
As feridas desinfectavam-se com aguardente, como cicatrizante usava-se a seiva amarela de uma planta que dava umas bobinas da mesma cor. A aguardente era ainda utilizada para bochechar e anestesiar dores de dentes e de garganta. As fissuras anais eram tratadas com azeite. Para as constipações fazia-se um xarope que se obtinha fervendo no pote de ferro à lareira durante largas horas diversas ervas, figos secos e passas de uva. Mais uma vez, também para esta condição, uns goles valentes de aguardente era o tratamento preferido por muitos. Para a maioria das afecções, um caldinho de galinha também ajudava.
Membros partidos ou deslocados eram tratados por pessoas especializadas – os endireitas. O mais próximo vivia em Paçó, para recorrer aos seus serviços era necessário contratar o único táxi da aldeia. Normalmente a viagem era aproveitada por mais do que uma pessoa uma vez que aqueles profissionais possuíam outros poderes curativos directamente transmitidos por Deus, especialmente para maleitas relacionadas com o espírito. Desta índole eram consideradas doenças de difícil compreensão na altura como a epilepsia, a esquizofrenia e outras doenças dos foros psiquiátrico e psicológico. Os endireitas lá tinham nao sei que ligação com as forças do divino e por meio de poderes que ninguém colocava em causa, conseguiam esconjurar os demónios que habitavam os doentes mentais. Mas tão fraquinhas eram essas alminhas, coitadicas!, que passado pouco tempo os rabudos vinham de novo atormentá-las, elas rendiam-se aos dizeres melifluos e as promessas enganosas daqueles malditos e depressa exibiam os horriveis sinais demoniacos.

4 Comments:

Blogger Rosario Andrade said...

Ola!
Funcho (Foeniculum officinale) é semelhante a erva doce (Foeniculum dulce). Creio que na regiao é o primeiro que cresce livremente pelos montes (opiniao de uma leiga!...)
Abracicos

11:13 AM  
Blogger mfc said...

O trocito de couve com azeite foi profusamente usado nas obstipações dos meus filhos.
E era tiro e queda...

1:01 PM  
Blogger Platero said...

Para acomnpanhar os oregãos que tal uns belissimos caracóis com uma cerveja geladinha!

9:02 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

E a ver o mar, numa esplanada!
UI C'A BOM!!!!
Abracicos!

9:06 PM  

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