Thursday, August 31, 2006

Festas de Carção

(Clicar nos nomes das fotos para as ver individulamente)
21. Sra das Graças, 22. Procissão, 23. No Bar, 24. Procissão


A procissão constituía o principal acontecimento religioso das festividades. Depois da missa, que invariavelmente durava um bom par de horas, todos os andores se alinhavam e saíam em cortejo desfilando pelas ruas da aldeia. O andor da principal protagonista era adornado com flores, com fitas de cetim de cores suaves e com parte da extensa colecção de joalharia que a imagem possuía, brincos (sim, brincos!), muitos colares, muitos cordões, muitos medalhões. No dia da sua festa a Senhora tinha que estar bonita, arranjadinha, e tinha de demonstrar a todos, especialmente aos de fora, que não era nenhuma pelintra.
As inúmeras fitas de cetim serviam para os fiéis pagarem as suas promessas. É claro que estas podiam ser pagas em qualquer altura, das mãos da imagem desciam sempre duas destas fitas durante todo o ano, um dos mordomos, geralmente o responsável pela manutenção do altar, tratava de retirar o dinheiro e guardá-lo até ser usado na festa. No entanto, a maior parte das pessoas preferia pagar as suas promessas durante a procissão. Às vezes, para ira de muitos, faziam mesmo o andor deslocar-se do seu percurso normal para poderem colocar o dinheiro das suas próprias varandas. Para não fazer a Senhora perder muito tempo, muitas vezes as familias organizanvam-se de modo a entregar as promessas de uma só vez, na forma de fitas forradas a notas. Quando o andor chegava era só necessário desenrolar a fita à frente da procissão expectante e prendê-la ao andor. Sendo normalemnte as promessas associadas sitações extremas ou a episódios trágicos em que as pessoas recorriam aos favores da Senhora, o seu pagamente estava associado a uma profunda emoção.
No final da procissão especulava-se acerca do valor arrecadado e se o dinheiro seria suficiente para pagar todas as despesas da festa. Era sempre bastante difícil, dependia da valor cambial das diferentes moedas recolhidas (hoje em dia estão as coisas mais simplificadas com a moeda única...). No entanto, sempre se sabia quando uma promessa de grande valor era devida. Vá-se lá saber como, toda a gente tinha conhecimento de que fulano ou sicrano iria pagar nesse ano uma promessa de xis contos. Na posse dessa informação e aferindo mais ou menos o volume das notas do andor depois da procissão (a ronda pela aldeia no Domingo de manhã rendia uma importância mais ou menos constante) os mais entendidos na matéria atreviam-se a estimar um valor.
Se o dinheiro arrecadado não fosse suficiente para cobrir os custos da festa, cabia aos mordomos dividir o que faltava entre eles. Desde que eram nomeados, as preces dos organizadores, todos os ano se orientavam no mesmo sentido, que a Senhora permitisse que as esmolas fossem suficientes para cobrir os custos da celebração...
Hoje em dia continua a ser tudo mais ou menos como dantes. As ruas continuam a ser enfeitadas, há uma competição velada com as aldeias ao redor pela melhor festa, os andores são os mesmos. Além dos diversos conjuntos musicais que alegram as noites há sempre um artista "principal" no Sábado à noite que chama à aldeia inúmeros forasteiros. A banda filarmónica continua a chegar no Sábado à tarde, mas agora não vem de longe, Vimioso tem a sua própria banda que toca na maioria das festas da região. Logo a seguir à chegada, os músicos dão a volta à aldeia. Mais tarde nesse dia, tocam na procissão de velas. No dia seguinte, logo após a alvorada de morteiros às sete da manhã, começam a laboriosa tarefa de dar a volta completa à aldeia com os mordomos, para a recolha das esmolas. E nesse mesmo dia, depois do almoço, tocam ainda na procissão da tarde... Não admira que este ano, apesar de uma última actuação estar prevista para Domingo à noite, o Maestro se tenha recusado a submeter os músicos a mais essa prova, devido a ter na formação putos de idade tenra, que não aguentariam a estopada...
Por outro lado, em vez da praça central onde se realizavam os arraiais, há agora uma espécie de "festódromo", onde o piso certinho contrasta com o chão de paralelipipedos de granito anterior e onde há um bar da Comissão de Festas especialmente construido para o efeito.
Uma das outras grandes diferenças é que enquanto há alguns anos a procissão era o evento que rendia mais dinheiro, hoje em dia é o bar a principal fonte de rendimentos. Talvez o tempo das vacas gordas tenha acabado, talvez os emigrantes de hoje tenham hoje outra mentalidade, talvez se passem menos aflições...
De qualquer maneira, a Festa da Senhora das Graças continua a ser o principal marco cultural das gentes de Carção, o evento preferido para a reunião das familias (em detrimento do Natal) , e a única altura do ano em que muita gente visita a aldeia. Por isso, apesar da trágica diminuição da população e a generalizada crise de fé, a Festa continuará seguramente a realizar-se por muitos anos.

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16 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Subir a varanda a por a promesa, inda e um momento muito especial para mi e a minha familia ... no e tanto por fe si no por saudade; fazem-me relembrar tantos boms momentos pasados cuando os meus queridos avos inda eran vivos, cuanto gostavan de ver a familia reunida en volta de aquela varanda, minha infancia, minha adolescencia, todos os meus veraos. No trucaria ese momento por ninhum otro do ano. Obrigado por relembrar todo isso. Bjs

11:31 AM  
Blogger António Conceição said...

A Blogosfera muda-nos a forma de ver o mundo.
Motivos profissionais arrancam-me hoje da cama às cinco e tal da manhã, para estar em Bragança às nove.
Noutros tempos, seria só uma viagem. Hoje, ao ver a placa a indicar "Macedo de Cavaleiros", lembro-me da Rosário: se a exposição dela ainda lá estivesse..." - penso para com os meus botões.
Infelizmente, não está. Contento-me com mal menor. No regresso ao Porto, talvez passe por Carção. A ver as festas.

PS - escrito às treze horas e quinze minutos, em Bragança, no @iberponto instalado no "Mercado Municipal".

1:21 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

Ola Rosalina,
A Festa sempre traz recordacoes queridas. Eu lembro-me muito do meu pai, como gostava de dar a volta com a banda, o prazer de ser mordomo, etc. É sempre bom recordar!

Funes,
Será talvez tarde, e talvez ja nao veja a minha resposta, mas eu sugiro um almoco no "Roberto", um excelente restaurante tipico, a saida de Braganca. Dentro da cidade, no outro dia almocei no "Silva" e a comida era excelente! A caminho de Macedo nao se seve perder o "Maria Rita" no Romeu...
Temo bem que logo no dia a seguir as festas, que terminaram no Domingo, Carção se transforme num deserto...
Se necessitar de qualquer ajuda, procure o meu irmao (Notario- Joao Andrade) em Braganca, ele é um docinho, sempre disponivel para ajudar- Maninho, estas a ler? Ajuda o Sr. Funes se ele precisar e se puderes.
Em Carçao a minha mãe tratará de si, forrar-lhe-a o estomago se a conseguir encontrar! Espero que tenha um par de horas para aproveitar a viagem para algum lazer...
Bjicos

1:51 PM  
Blogger Inha said...

Belíssimo momento este. Apesar de não ter nunhuma religião em particular, também contribuo sempre para as festas da minha vila. De quatro em quatro anos é feito um tapete de flores e serrim pintado que cobre praticamente e vila toda. Um luxo. Nesse domingo lá estou eu às quatro da manhã na rua juntamente com o pessoal das festas. É uma trabalhadeira doida, mas também um orgulho.

BeijInha

3:57 PM  
Blogger Santa said...

Querida Rosario

Ao comemorar, hoje, o primeiro ano do Blog da Santa eu não poderia deixar de agradecer atenção e carinho que sempre recebi. Bjs

9:11 PM  
Blogger AC said...

As festas já não são o que eram e nem a de Garção escapou.
Cpts

10:56 PM  
Blogger ALeite said...

Coisas que marcam e que ficam para sempre. Apesar de ser diferente, a romaria da minha aldeia continua sempre a ser a romaria da minha infância e adolescência.
Belíssimo texto que nos faz abrir o baú das recordações.
Bjo.

9:33 AM  
Blogger ALeite said...

Coisas que marcam e que ficam para sempre. Apesar de ser diferente, a romaria da minha aldeia continua sempre a ser a romaria da minha infância e adolescência.
Belíssimo texto que nos faz abrir o baú das recordações.
Bjo.

9:33 AM  
Blogger rps said...

Engraçado: já acompnahei isto, ainda que numa outra aldeia transmontana.

5:47 PM  
Anonymous Anonymous said...

Rosário, nem sei que dizer...
Sou conterrâneo e apaixonado pela Nossa Aldeia.
Este t(s)eu texto, como muitos outros, até me arrepia pelo signicado que tem para mim a Nossa Aldeia.
Fiz parte da Prestigiada Comissão de Festas, superiormente liderada pelo Amigo Tony e pelo João, foi muito gratificante...mais uma vez.
Carção, Carção sempre!
Carlos

4:34 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

Carlos,
Bem vindo!
Obrigada pelos amáveis comentários! Realmente a aldeia faz parte de nós e eu tento escrever um pouco acerca das tradições de que me lembro, uma vez que cada vez mais estão em desuso.
Só é pena é mesmo a aldeia ser tão longe, carais! Eu passo por cada estopada para lá chegar!... Fora mais perto de um dos aeroportos e iria lá mais vezes, em alguns fins-de-semana prolongados...
Aparece sempre!
Bjico

5:21 PM  
Anonymous Anonymous said...

Boa noite,
presumo que não saibas quem sou, mas tb pouco importa.
Certamente já nos cruzamos na Nossa Aldeia ou quem sabe se já dançamos alguma pezada noutros tempos...
ainda que, certamente com sapatos difrentes daqueles da procissão de domingo de Nossa Senhora das Graças...um de muitos....verdes!
Fica bem
Cumprimentos,
Carção, Carção Sempre.

10:39 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

Ola Carlos,
Confesso que so pelo nome próprio nao consigo la chegar... mas pelos vistos sabes quem sou, uma vez que notaste os meus sapatinhos... verde-água! Da proxima vez tomamos um cafezito no bar da Sra. das Gracas.
Bjicos

10:42 AM  
Blogger Rosario Andrade said...

Ola Carlos,
Confesso que so pelo nome próprio nao consigo la chegar... mas pelos vistos sabes quem sou, uma vez que notaste os meus sapatinhos... verde-água! Da proxima vez tomamos um cafezito no bar da Sra. das Gracas.
Bjicos

10:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

Rosário, fica combinado para o dia do espectáculo do Quim Barreiros no próximo ano!
Quando contactares o teu Irmão, recorda-lhe uma recepção ao caloiro em Coimbra, em tempos que estive de tropa na Figueira, ...que tempos!!! Ou uma visita dele à Amadora em tempos de namoro.
Gostava de escrever um artigo, para a próxima edição da Almocreve, sobre os bailaricos na Casa do Povo. Colaboras?
Até breve,
Carção, Carção Sempre.

2:14 PM  
Blogger Rosario Andrade said...

Carlos,
Ok, será ao som de Quim Barreiros, então!
Colaborarei com todo o prazer. A última edição da revista contém vários textos meus, anteriomente publicados aqui no i&i.
Até breve
Bjico

9:44 PM  

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