Thursday, October 19, 2006

Crianças

(Foto da net)


Em resposta a um desafio lançado pelo bom Alquimista porque é muito importante e porque é responsabilidade de todos nós...


Há vinte anos...

Eram putos reguilas e atrevidos, de modos rudes, endurecidos por todo o tipo de privações, a pele curtida pelo sol e pelo frio. Usavam uma linguagem vernácula e agressiva, com uma terminologia soes, trazida de casa e das ruas, e cujo significado não podiam perceber. Muitos nasciam como coelhos selvagens, eram feitos e paridos pelos montes, desmamados à pressa e entregues aos cuidados do acaso. Conheciam os caminhos dos montes, as tocas dos lobos, as árvores e os penedos onde os pássaros nidificavam e os seus chamamentos, sabiam de cor os locais do rio a evitar. Sabiam como caçar coelhos bravos e perdizes, usavam fisgas e espingardas de pressão de ar para matar pardais, no rio pescavam peixes e caranguejos.
Logo que possível eram-lhes entregues responsabilidades e trabalhos de adultos, tratar dos animais, levar as ovelhas, as cabras e as vacas para os montes, apascentá-los antes da escola, ir recolhê-los depois das aulas, escavar a terra, arar. Tinham olhos agudos entalados em rostos angulosos, as narinas sempre muito encieiradas e obstruídas por um ranho esverdeado e muito espesso que limpavam à manga da camisola. Envolviam-se frequentemente em rixas provocadas por disse que disse e por complicados jogos de aferição de forças, comandados pelo instinto primordial da sobrevivência do mais apto.
Quais eram os nossos sonhos? Pertencíamos a uma geração perdida entre um passado marcado por misérias e um isolamento agreste e o vislumbre de outras realidades e de outros horizontes. Sonhar era um luxo que não nos era permitido. Qualquer demonstração de sonhos que se projectassem para além da realidade que era a nossa era esmagada com uma ferocidade acintosa e calcificada dos mais velhos. Era talvez uma espécie de protecção, um muro construído pelas próprias frustrações e pela constatação amarga que não se era mais do que pó que a terra dominava. E que qualquer tentativa de ter uma vida melhor era abrasada pela violência da realidade. Qual era o nosso futuro?...

Hoje, no século XXI continua a ser verdade, algures num outro ponto qualquer do globo. Fome, maus tratos, violência, abuso, exploração são realidades presentes nas vidas de inúmeras crianças. Apenas com o equivalente a três ou quatro cafés por mês, a UNICEF pode fazer uma criança sorrir (aqui é possível o donativo ser retirado directamente do salário, e fazendo a entidade empregadora dar parte do montante! eheheh!). Pensar no assunto apenas não chega... ajude hoje uma criança. Pelo direito a existir. Pelo direito a sorrir. Pelo direito a sonhar!

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16 Comments:

Blogger Pé de Salsa said...

Bom dia Rosário!

O teu texto está muito bom e a imagem escolhida de acordo com "aquele tempo".

Claro que, nos dias de hoje, deparamo-nos frequentemente com a mesma imagem. Ainda não mudou.
Para além desses problemas de antigamente, muitas das crianças deparam-se com outros, marcantes, que muitas vezes os traumatizam para toda a vida.

Nunca é demais chamar a atenção para tanta desumanidade.

Parabéns pelo texto. Escreves muito bem.

Um bjico ancho.

(P.S. - Se ainda não viste, logo que possas abre o teu e-mail).

11:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

Excelente post o teu parabéns.

12:14 PM  
Anonymous Anonymous said...

Belissimo pedido de auxilio, texto Fantastico e sugestão de donativo muito imaginativa.

JMC

4:49 PM  
Blogger antónio paiva said...

....é! de facto é mesmo preciso contribuir, palavras são muito bonitas e eu que até gosto muito delas, mas não enchem barrigas esfomeadas, nem dão guarida a nem protecção a essas crianças, na realidade muita gente fala disso e se manifesta e diz que ajuda, mas na realidade fazem ZERO!!!!.........

Beijinhos

10:29 PM  
Blogger mfc said...

Sim,pelo sonho...é obrigatório contribuir.

10:53 PM  
Blogger Tom said...

Querida Rosário,
Assunto muito importante abordado hoje.
Tenho uma amiga que trabalho no Unicef e vejo de perto o trabalho dela. Realmente de muita importancia para as crianças mais necessitadas.
Um beijo carinhoso,
Tom

2:37 AM  
Blogger greentea said...

lindissimo o teu post, porque era assim em Portugal de ha vinte anos , como ainda o e em muitos locais

e por 2 ou 3 bicas , tanto que podia ser feito

Um beijo ancho, como tu dizes, como a minha mae dizia...

9:43 AM  
Anonymous Anonymous said...

porque as realidades sao iguais em muitos lados, tomei a liberdade de reproduzir o teu texto no meu blog,

com um beijo para ti

10:11 AM  
Blogger Xica said...

Que texto tão lindo. Beijitos.

10:35 AM  
Blogger Kalinka said...

Precisamente por esta causa, hoje convido todos que puderem, para um lanche na minha sala de visitas. Tema: Solidariedade para com as crianças.
Pois...quem puder só vir amanhã, cá vos espero.
Estarei todo o fim de semana à vossa disposição, é por uma causa nobre.
Aparece. Abraços.

4:38 PM  
Anonymous Anonymous said...

Bom de fim-de-semana, enquanto lá fora o vento sopra e a chuva cai, aqui a qualidade impera, neste interessante blogue.

9:53 PM  
Blogger © Piedade Araújo Sol (Pity) said...

Obrigada por também teres respondido ao apelo do alquimista. todos juntos seremos muitos, e as crianças merecem...

12:07 PM  
Blogger rui said...

oLÁ
já me tinha inteirado deste assunto através da" vida" e depois do "alqimista", mas nunca é de mais recordar
Até outra visita
Bom domingo

12:24 PM  
Blogger Carla said...

Lindo texto com um tema tão actual.
Beijinhos e uma boa semana.

9:40 AM  
Blogger Clotilde S. said...

Se tivesse sido só há vinte anos...
beijinhos para ti e para a Rosário

7:23 PM  
Blogger amigona avó e a neta princesa said...

Gostei... um dia destes faço o meu.... beijo...

10:23 AM  

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