Wednesday, August 31, 2005

Mais paixaricos...

Foto de Rui Simas

Mais bale um paixarico na mano
Que dous a bolar!

(Mirandés: Mais vale um pássaro na mao, que dois a voar)

Intimidades

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.

Estou a rodear-te de agulhas
a boca mais vulnerável.

A marcar sobre os teus flancos
itinerários de espuma.

Assim é o amor: mortal e navegável.

Eugénio de Andrade



Gustav Klimt- O Beijo (1907-8)

A minha Matilde


Obrigada ao A Minha Matilde pela carinhosa referencia ao I&I no BlogDay. Matilde, esta rosa é para ti!...


Tuesday, August 30, 2005

Terça-feira

E eu que julgava que a Segunda-feira era o dia mais difícil da semana. A Terça-feira não lhe fica atrás quando se regressa de férias. Além disso:

"Na terça, nin tou cochino mates, nin tue filha
cases, nin tue tela urdas"

(Mirandés: Na terça, nem o teu porco mates, nem a tua filha
cases, nem a tua teia urdas)

Pernas de pau

Montesinho, Braganca

Foto de Bruno Aguiar

Discussoes...

Este ano a procissão decorreu sem males de maior. Mas há dois ou tres anos assisti a uma discussão interessante no momento em que o andor deveria regressar a igreja. A questao era saber se a imagem da N. Senhora devia entrar no edificio de face virada para o exterior ou para o interior. Eis a discussao:
- Mas que fazeis? A Senhora da Gracas sempre entrou de cú.
- Num senhor, nunca me lembro de ter visto a Senhora entrar de cú!
- Mas entao a senhora nao tem que se despedir das pessoas no adro? Tem que entrar de cú…
- Então mas entra agora de cú? Num bes que sao as pessoas que tem que se despedir das Senhora nao a Senhora que tem de se despedir das pessoas…
E ali mesmo em plena procissão se gerou a desordem e o tumulto, tendo o padre que intervir pacientemente e explicar que esse era um pormenor menor. Ainda assim, o grupo que viu a sua opinião preterida continuou a levantar a questão pelos cafés, no minimercado, no talho, até ser aquela ser substituida por um outro assunto mais actual.

Monday, August 29, 2005

Impressoes da viagem



O Mecânico territorialmente competente...

De volta!



Pronto... de novo em casa...
Os gatos não deram cabo de tudo, apenas a redo no topo da vedação do jardim sofreu danos consideráveis e algumas plantas da casa têm as folhas bastante maltratadas. Devem ter andado em touradas muito malucas.
O meu rapaz está decidido a verificar como é que os gatos conseguem saltar a vedação de madeira mais a rede à volta (como se fosse muito difícil a um ser tão aerodinâmico como um felino). Está entretido a montar um sistema de vigilância no jardim (mal contenho os esguichos de riso), vai monitorizar os bichos na televisão! (????hihihiii!!!!)
Antes de partir a internet deu o berro mas está resolvido o problema, estou de novo ligada!
É bom voltar! Regressar amanhã ao trabalho é que já não é uma perspectiva muito agradável. Nem sei se estarei em Cardiologia ou em Oncologia... em Cardiologia espero, Oncologia é o diabo, muito trabalho, quase não tenho tempo de estar na net...

Saturday, August 27, 2005

Elvis has entered the building!

É tão bom ter um gato cibernauta que lê o blogue da dona! Depois do meu apelo aqui no I&I, o Elvis reconsiderou e voltou para casa... desconheço ainda se a fome ou outros factores o influenciaram nesta decisão...

Friday, August 26, 2005

A procissao




Ao fim da tarde cumpriam-se as obrigações religiosas, uma procissão de velas seguida de missa ao ar livre na Capela da 5 Marinha, nas Fontes.. Os andores saíam da igreja, davam a volta ao povo entre velas, terços e cânticos desencontrados.
A Senhora das Graças, figurinha magra e elegante, numa pose encantadora, coberta recatadamente com um vestido pérola bordado a ouro que deixava entrever as formas singelas dum corpo feminino. Sobre os ombros singelos um enorme manto azul celeste onde brilhavam as estrelas do céu, descia em pregas largas protegendo-lhe as costas delgadas. Do cimo de um andor alto e elegante, adornado com imensas flores e fitas de cetim, esmagava com o pezinho delicado a terrível víbora tentadora de mortais, enquanto lançava um olhar condoído e humedecido ao seu redor.
Mas a Senhora do Rosário, uma matrona obesa, esculpida com certeza numa altura em que os atributos físicos das mulheres perfeitas continha um pouco mais de abundância, não faltava ao compromisso. Lá seguia no respectivo andor, com o seu rosto estático e o imenso corpo de pau pintado em tons dourados, muito esburacado pelo bicho da madeira que não se comovendo com a imaculabilidade da personagem se atrevia a lavrar extensos sulcos na sacrossanta figura .
São Roque também comparecia, a imagem guarnecida de uma bengala e de uma cabaça adicionais, e escoltado por um fiel cachorrinho. Seguia-o o Senhor dos Passos, representação apaixonada e violenta do momento em que o Cristo sucumbiu sob o peso da pesada cruz. Figura enorme, em tamanho real, coroada com uma coroa de espinhos que rasgava chagas escarlates na testa, e sempre coberta com uns mantos lilases imensos. Não imagino nenhum artista perder uma oportunidade de expor a nudez de um corpo perfeito, e no entanto nunca vi a imagem sem estar vestida. Imagino que a nudez fosse um pouco excessiva, capaz de suscitar desejo em vez da esperadas piedade e compaixão, só assim se explicam aquelas túnicas enormes cujas mangas tombavam e cobriam as mãos do condenado.
No Largo das Fontes os andores eram pousados no chão e aguardavam pacientemente o decorrer da Missa. Por entre as velas acesas, para as beatas que se concentrava à frente e para os restantes que se distribuíam pela periferia, o padre proferia o sermão que empolava as qualidades da virgem, ano após ano, com o mesmo entusiasmo arrebatado.
Oficialmente, na nossa aldeia, a mãe do Salvador era sem dúvida a Senhora das Graças. Podiam em outros lugares, até mais santos e possuidores de mais autoridade na matéria, reclamar a maternidade do Salvador para outras Senhoras. Mas ali era assim, "verdade verdadinha"!

Sta Teresinha

Hoje inicaram-se as Festas em Carção. Durante o fim de semana haverá missas e procissões mas também arraiais e foguetório... pois, o que seria a Festa sem os foguetes... e não há cá argumentos de fogos e outras desgraças... a Festa é a Festa!


O Sábado (amanhã) é dedicado à Santa Teresinha e às moças solteiras. Realiza-se uma missa seguida de procissão onde todos os andores enfeitados a preceito desfilam seguidos dos respectivos crentes.
Em outros lugares pode o Santo António atender às preces das moças que aspiram à bênção de um noivo, e podem elas ir mostrar-lhe certas partes secretas da sua anatomia para subornar o perverso Santo. Mas em Carção somos mais práticas, achamos que só uma mulher pode entender outra nestas coisas do coração e é a Santa Teresinha, figurinha pequena mas poderosa, que detém o condão mágico capaz de encontrar o marido ideal ou de convencer o eleito da conveniência da relação. Porquê a santa Teresinha? Não sei, a Santinha morreu virgem e tuberculosa, não sei que argumentos terá para convencer as divinas hierarquias, mas pronto... em Carção está ela entregue do pelouro dos casamentos.
Durante a manhã as moças solteiras vão pela aldeia fazer o peditório em nome da Santinha. E nestas coisas todos sabemos como é, uma mão lava a outra, é claro que quem mais contribui são as mulheres. Como reconhecimento por promessa cumprida ou pensando no futuro próprio ou de filhas moças em necessidade de superior ajuda.

O Elvis fugiu!!!!



Pronto... cá estávamos sossegados, a curtir a modorra de Trás-os-Montes, a carregar baterias para mais uns meses de complicações e empregos atarefados e stressantes e chega a notícia... o Little Elvis aproveitou a nossa ausência para pular a vedação do jardim e anda desaparecido há dois dias! Pensámos em regressar antes mas a logística é complicada... assim , o cabrão do gato vai andar a monte pelo menos mais um par de dias (deve andar atrás de pussy que nem um desvairado!).
Elvis, seu filho-da-mãe, se leres isto, VOLTA PARA CASA IMEDIATAMENTE!

Thursday, August 25, 2005

Impressoes da viagem





A avioneta de apenas desasseis lugares não deixava antever uma viagem muito agradável... mas afinal, a viagem de Lisboa para Bragança foi um sucesso. O percurso decorreu sem problemas nem solavancos, apenas se notando o barulho ensurdecedor das hélices.
Obrigada Aerocondor!

Impressoes aereas II




Será chuva, será vento?
Vento será certamente,
Mas a chuva não arde assim...

fui ver...

Eram as leis inadequadas deste país a permitir que se plantem eucaliptos, bombas arboriformes de óleos volateis, sem contenção. Era a ganãncia a plantar pinheiros bravos, que crescem mais depressa, em vez de pinheiros mansos, mais adaptados ao nosso clima. Era a filhadaputice, o deixa-andar, o depois-pensamos-nisso, os interesses económicos, a falta de meios dos bombeiros, era a inexistência de pontos de contenção das chamas, a falta de limpeza das matas, a ausência de meios de detecção precoce, que existem mas que "são muito caros" ... e a perda que sofremos, não é cara?

Fui ver... era este país tranformado em cinzas...

Tuesday, August 23, 2005

Rivalidades...

Entre as localidades vizinhas existia uma rivalidade latente. Competiam pelos melhores festejos, a melhor equipa de futebol, a melhor igreja, tudo servia de pretexto. O ponto alto da comparação eram as respectivas festas do mês de Agosto, o melhor sermão, a mais concorrida procissão, o melhor artista, o melhor arraial, o melhor fogo de artifício...
Certo dia, estavam dois velhotes, um da minha aldeia e outra da aldeia vizinha-Argoselo, a matar o tempo em animada cavaqueira, as festas a aproximarem-se, as comparações e as expectativas ao rubro. Sentindo a força dos seus argumentos desfalecerem, que com os de Carção ninguém se mete e sai a rir-se, lembrou o argoseleiro de sugerir em tom ridente:
-Olhai compadre, he-mos de casar o São Bartolomeu (o santo padroeiro de Argoselo) com a Senhora das Graças.
O meu conterrâneo, sentindo a honra da imaculada senhora conspurcada pela simples alusão, tomando a espada aguda da palavra para a defender, retorquiu em tom de enorme desprezo:
- Ah, olhos de porco, e a Sra. das Graças queria lá um “corno como o São Bartolomeu”?.
Não que duvidasse da santidade do outro, mas podia lá ser, a Senhora das Graças tão linda e tão delicada ser comparada, quanto mais proposta em casamento, com o bruto do São Bartolomeu!...

(he-mos de - expressão usada na zona que significa "havemos de")

Monday, August 22, 2005

Impressoes aereas

o Inferno visto do céu... se não soubesse, a mancha cinzenta pareceria apenas mais uma nuvem. No entanto, sei que lá em baixo bombeiros e população colocam a vida em risco para controlar as chamas. E as nuvens que não chegam...

Saturday, August 20, 2005

Intimidades (Bagagem de uma mulher moderna)

Hoje ao fezer a mala, pensei quão diferente é a bagagem de uma mulher desde há poucos anos atrás. Vejamos a minha lista:

1- IBook- o portátil.
2- Ipod Photo- (mais os adereços: controlo remoto, colunas, dispositivo para transferir fotografias directamente da máquina fotográfica, etc.)- num anjinho branco e absolutamente portátil toda a minha música, todas as minhas fotos, todos os meus contactos!
3- Telemóvel, 3G.
4- Máquina fotográfica digital.
5- Outros dispositivos de uso exclusivamente feminino (ou talvez não).
6- Carregadores, cabos, pilhas, adaptadores de corrente.

Felizmente, há coisas que nunca mudam:
7- Dez dias = nove vestidos (dois pretos- um vestidinho preto é a basesinha de qualquer guarda-roupa, três rosa, três em tons de verde-água, um neutro). Um fato-saia rosa, apenas dois pares de calças, para as viagens. Uma mulher deve sempre que possível usar saias e vestidos…
8- Sapatos- um par de sandálias confortáveis, três pares de sandálias desconfortáveis (em preto, rosa e branco) e um par de sapatos desconfortáveis em verde-água- correcto, para combinar com os vestidos.
9- Lingerie, em branco, preto, rosa e…
10- Joias- doze pares de brincos (doze para poder combinar com os vestidos e com o humor do dia) … não são assim tantos, pelo menos não uso colares!
11- Cosméticos, maquilhagem (Dior, sempre Dior) e perfume (Channel).

Como diz o Caetano, uma mulher é sempre uma mulher…

Friday, August 19, 2005

Férias

Lisboa ( Foto de Paulo Benittes , Via Trekearth)

Amanha voo para Lisboa... para um fim de semana portugues. Comida, pessoas, luz, sol, mar, rostos de cantaria... e depois voo de Lisboa para Braganca. Sim a tradicao já nao é o que era... de Lisboa a Braganca já nao sao nove horas de distancia... é uma, com a Aerocondor. Bless them!
Acho que nao vou exigir o lugar da janela... temo ver a realidade. Quanto tera sobrevivido ao inferno do Verao?

Thursday, August 18, 2005

Paixaros- Os cucos

SILVA PORTO, Guardando o rebanho
1893, Óleo sobre tela


Para regar íamos às hortas da Ribeirinha regularmente, eu no lombo da burra Ruça, pelo caminho poeirento que serpenteava no vale, entre o ventre redondo das montanhas. Ao longo do caminho, de um e outro lado viam-se hortas coloridas, pastos, pombais, vinhas, oliveiras, pomares, olmos ao longo do ribeiro, mais acima currais, por todos os campos vacas, ovelhas, burros, mulas. Ouviam-se os motores de rega ecoando pelos montes, vozes de pessoas que cantavam enquanto realizavam os seus trabalhos, os chocalhos das vacas e as campainhas dos rebanhos, o ladrar dos cães que os guardavam e as árias estridentes oferecidas gratuitamente pelas aves canoras.
Quando se ouvia o cuco, consultavam-se-lhe os poderes premonitórios com a pergunta “cuco da Paradinha, quantos anos vou ficar solteirinha?”. A ave ao longe ouvia a pergunta ansiosa e prescrutando o futuro da inquiridora lá respondia. Contavam-se as grasnadelas após a questão e esse número correspondia ao número de anos até ao casamento. Umas das coisas mais aborrecidas deste método era que conforme os dias e os cucos, o número de anos variava e era uma crise de nervos tentar resolver o mistério ditado pelas aves. Não havia regras estabelecidas, fazer a média das diversas leituras era complicado e portanto o mais simples era tomar como certa aquela que referia o menor número.

Pássaros (Paixaricos)

Nesta Primavera, um casal da pássaros (paixaros) decidiu nidificar num arbusto do nosso jardim... Os quatro ovinhos (us óbicos) eclodiram e o resultado foi este:


No entanto, o casalinho teve uma vida muito dificil... porque quem achou um piadao a coisa foi o Little Elvis. O casalinho, mal via o gato (gatos, contando com a Priscilla), entrava num num estado de delirio e desfaziam-se em chilreios para tentar afastar a atencao dos felinos do arbusto (da árbole)... tudo o que conseguiam era aumentar o interesse dos gatos que passaram a ir ao jardim apenas sob cerrada supervisao...

Pássaros???... quais pásaros? Eu nem sei o que sao pássaros. Neste arbusto? Ah! queres dizer aquela comida enlatada sem lata? ...coff, cofff, quero dizer aquelas pulgas gigantes com penas que voam e pipilam? Naaaaa, nao estou interessado... estou so aqui a fazer um pouquinho de jardinagem... este ramo nao esta nada bem assim, alguem ainda se magoa. Alguém tem de tratar da minha casa...( sim, a casa é minha, os meus donos só pagam a hipoteca...).

Wednesday, August 17, 2005

A Festa do Rapazes Solteiros

À colina central da aldeia, não muito pronunciada, encimada pela igreja, opõe-se um monte mais robusto, que se ergue com uma imposição protectora na face virada para a aldeia, estendendo-se lânguido e plácido do outro lado, unindo-se a outras elevações, até que entrelaçados se dissolvem no azul claro da distância. Pelos montes, como que plantadas por semeador preguiçoso e pouco preciso, aparecem pontilhados claros, indicadores de mais uma e outra povoação. Vê-se Vimioso, a “Vila”, à direita uma escarpa rochosa assinala Campo de Víboras. A contemplar a aldeia e toda a vastidão de montes, erigida no cimo desta elevação, encontra-se uma capela pequena e modesta, dedicada a São Roque.
No cimo do monte de São Roque decorria, como ainda acontece (nos dias 15 e 16 de Agosto-ontem), a única celebração religiosa a que eu assitia de livre vontade. Trata-se da festa dedicada a São Roque, organizada pelos rapazes solteiros. No segundo dia de festejos, realiza-se uma missa campal à volta da capela, na qual participam os animais domésticos, especialmente os que sao utilizados nos pesados trabalhos da agricultura. Há muito que nao tenho a oportunidade de estar presente nesta altura, mas as tradicoes mantem-se.

O monte enchia-se de burros, machos, mulas e vacas para receberem a bênção que os protegeria das mazelas que poderiam impedi-los de prestar os seus preciosos serviços. Muitos chegavam aos pares, inexoravelmente unidos pelo jugo, enfeitado para a ocasião com raminhos de flores e com sacos de cereais que constituíam as oferendas dos agricultores ao santo, como paga de promessas ou como recompensa por um ano de boa colheita. Os animais davam três voltas à capela e acomodavam-se para mais uma vez ouvir a história do santo que, em época de peste, teve a sorte de ter um sistema imunitário forte que lhe permitiu prestar auxílio as pessoas que sofriam da doença.
Porque é que o São Roque foi escolhido para protector dos animais? Não sei. O que sei é que a imagem do santo tem aos pés um cachorro que o olha com uns olhos bondosos e isso sempre me pareceu simpático. Eu gostava de levar a burra Ruça albardada com a albarda do costume mas com uma manta nova, e fingir que ouvia a história mais uma vez...
As beatas dispunhan-se na primeira fila, com o lábio trémulo e os olhinhos húmidos de emoção, perante a imagem do santo viril e do relato arrebatado das suas desventuras. Os animais é que nao se comoviam muito com as histórias... eram picados pelas moscas sempre muito abundantes e não se inibiam de ir coçar as partes ou de saltar como demónios em plena missa. Ou por vezes sucumbiam às tentaçoes da carne, ao chamamento da natureza, e ali mesmo e sem respeito nenhum, tentavam enredar-se em comportamentos menos aceitaveis... um beato e respeitoso pontapé resolvia a questão.

Eastbourne

Eastbourne é uma cidade no sul de Inglaterra, entre Brighton e Dover. Depois da saudosa Coimbra, depois de Londres e Bruxelas...vivo aqui há dois anos...


O Peer...



A marina.

Tuesday, August 16, 2005

A Promessa

Na aldeia, a melhor forma de resolver uma situacao dificil era fazer uma promessa a um dos santos. Não directamente a Deus, não... Deus é um ser muito ocupado, a manter actualizados os registos dos pecados e a dirigir a grande empresa do céu. Não que se duvidasse da inquestionável acrosofia e omnipotencia, mas por se temer que as preces, tão numerosas e tão vastas, se perdessem na burocracia do poder divino central. Daí a grande vantagem de se ter disponivel um vasto conjunto de acessores, santos e nossas senhoras altamente especializados e convenientemente acessíveis, uma espécie de descentralização divina disponibilizada pela Santa Madre Igreja. Era de facto muito mais reconfortante interpelar directamente um santo diligente e conhecedor da matéria e dos trâmites celestes do que pacientar pelo desfecho de um longo e complicado processo. As promessas variavam entre novenas, quantias de dinheiro, doacoes de géneros e manifestacoes públicas de auto-flagelacao como fazer a procissao a volta da aldeia de joelhos. Havia no entanto, uma modalidade adicional muito popular: fazer os putos pagar as promessas. E porque nao? Se os diabretes se metessem em sarilhos, ou se tombassem doentes ou o que fosse, porque nao haviam eles próprios de agradecer ao santo que os tinha livrado das trapalhadas?
Certa vez, durante uma aflição qualquer, a minha mãe fez a promessa de levar o meu irmão vestido de São João na procissão da Nossa Senhora das Graças. Depois de muita luta contra aquilo que pareciam saias, o catraio lá se resignou à túnica branca de cetim atada na cintura com uma corda dourada. No entanto, durante a procissão, começou a comparar a sua indumentária com a de um colega que pagava a promessa da respectiva mãe, vestido de São José. O São José era carpinteiro e como tal, para personificar o Santo era imprescindível a presença das ferramentas alusivas à profissão. O meu irmão sentiu-se diminuído, o triste do São João era apenas um vagabundo com muita lábia, e começou a cobiçar as ferramentas do outro. Dá-me o martelico, dizia ele. Num dô, respondia o outro. Então dá-me a serrica. Num dô. Tanto implorou sem sucesso que ali mesmo, sem apelo nem agravo, espetou dois pontapés certeiros ao avarento do São José, tomou-lhe todas as ferramentas e fugiu enquanto o outro se desfazia num berreiro em plena procissão. Foi a última vez que a minha mãe se atreveu a levar um de nós mascarado de santo durante a procissão...

O Tempo

Nú, Óleo sobre tela, 2003

...
Mas o que é o Tempo?
Farrapo aéreo inconsistente.
Tela fluida augural
onde tentamos pintar a nossa existencia...

Mas eu estou na noite transparente,
estou de novo azul e em mim,
circunscrita
ao anátema de nao existir...
...e eu queria...

Mas só imagens oscilantes,
só, deliquescentes,
CÉRCEAS
me cerzem o pensamento-
-CALEIDOSCÓPIO
ecúleo eruginoso.

Só, as voltas, orbicular
relapso, o meu pensamento.

Monday, August 15, 2005

A televisao

A nossa televisão foi uma das primeiras na aldeia, ainda na casa velha. A primeira foi comprada pelo Tio Alberto que tinha um café. Foi uma sensação! Disseram ao meu avo, olhe tio coiso, o tio Alberto tem uma caixa onde se ve gente e tudo. Pois como pode ser? que Deus não me mate sem ver uma coisa dessas. Mas matou. Morreu sem ver a tal de caixa magica.
Os meus pais compraram o cobiçado aparelho na altura em que passava uma telenovela chamada “A escrava Isaura”. Da historia não me lembro, mas recordo que se juntava um grupo significativo de velhotas na salinha de jantar depois do jantar, para ver as desventuras da pobre ancila. Sofriam a bom sofrer e gritavam apaixonadamente conselhos sábios “num bás…olha qu’ele ‘stá lá à tua espera! Ai a coitadica que bai enganada. Bem simpre és… ora biste? Eu bem to dixe, eu bem t’abisei!”. E choravam baba e ranho que limpavam ao sempre presente lencinho das mãos, e contorciam-se de dor pela infeliz escrava.
Quando todos os problemas da pobre Isaura se resolveram e a história terminou, a actriz que dava vida à desgraçada moca apareceu a protagonizar uma das novela seguintes, em que a história a colocava em situação mais favorável no caminho do personagem protagonizado pelo actor que tão vilmente a torturara na novela anterior. Foi a confusão geral. Algumas velhotas não compreendiam como podia ela agora dar-se tão serenamente com o vilão. Berraram-lhe furiosamente que não tinha juízo nenhum, que era bem feito que chorasse agora, que era uma puta sem vergonha… as técnicas usadas nas filmagens também não ajudavam muito. As cenas em que eram recordados factos passados e em que aparentemente apareciam vivos aqueles que tinham morrido e juntos os que se tinham separado não cabiam no entendimento telúrico das anciãs. E no seu rosto incrédulo viam-se o franzir da perplexidade e do espanto. “Então el ‘inda estaba ali concho que nem um corno! E a coitadica a chorar por el”. Aquilo era tudo uma galdrumada! A medida que os actores foram dando vida a diferentes personagens o interesse pelas historias foi esmorecendo.

Joias esquecidas da cultura popular


Trovador-Augusto Marin


Tres voltas dei ao castelo
Sem achar por onde entrar...
-Soldadinho de armas brancas
Visteis-lo por 'qui passar?
-Esse soldado senhora,
Morto esta no areal
Com tres f'ridas em seu peito
Qual das tres a mais mortal.
Por uma entrava o sol,
Por outra entrava o luar.
Por a mais pequena delas
Pode o gaviao passar,
Com suas asas estendidas
Sem as ensanguentar.

Cantiga da segada, recolhida em Carcao, Braganca

Saturday, August 13, 2005

Paco e Ingo


Paco e Ingo
Originally uploaded by Rosario Anndrade.
Retrato do meu amigo Paco e do seu cao Ingo.
Oleo sobre tela, 2004

Horas Mortas

Caem do céu, lentas e pesadas, gotas de sombra...
... corroem lentamente o dia que me resta.
Dia inútil, vazio quase nada.
Esboço patético de uma vida
que se recusa a começar para mim.
A tarde toda no meu quarto triste,
na minha mortalha.
As horas vieram todas vestidas de cinza
e eu fui ficando, vencida.
É tarde.
Pelo menos assim parece
-o relógio diz-me que não...
E ele que sabe? máquina fria mecânica ruminante.
Imbecil! Que sabes tu?
Pingas certeiro orgulhoso,
como se tivesses na barriga todo o poder do Universo,
enquanto vegetas no teu coma pendular!
(lá fora a noite faz-me caretas).
não importa o que tu dizes.
É sempre tarde para quem está só.
Porque as horas nascituras,
(que deviam ser limpidas como sorrisos)
trazem no rosto as cicatrizes daquelas
que desfaleceram nos meus braços.

Friday, August 12, 2005

Saudades de Coimbra


Saudades de Coimbra
Originally uploaded by Rosario Anndrade.
Oleo sobre tela, 2004
Este é o meu mais recente quadro dedicado a Coimbra...

Sicilia...

A Sicilia e a maior ilha vulcanica do Mediterraneo e localiza-se no sul da Itália.
Em Maio sucumbimos a beleza e ao charme desta joia do Mediterraneo...

CEFALÚ

Cefalú situa-se num promontório a meia distancia entre Palermo e Capo d'Orlando. A cidade mantém a sua aparencia medieval a volta da catedral normanda (na fotografia sobressaem as duas torres), construida por Rogério II no Séc. XII.
A direita situa-se La Roca, um macicco rochoso imponente, acessivel apenas por um caminho onde se podem visitar as ruinas de fortificacoes provavelmente bizantinas bem como o santuario pré-histórico conhecido como Templo de Diana, uma construcao megalitica datada do Séc. IX. No topo da Rocca encontram-se ainda as ruinas de um castelo do Séc. XII-XIII.

Praia fantástica, comida maravilhosa, gelados de morrer, vistas de alegrar a alma... recomenda-se.

TAORMINA- Teatro Grego

Mágico... ao fundo vislumbra-se o Monte Etna, pálido e diluido na distancia, mas violentamente presente, a dominar toda a paisagem, a esquerda o mar Iónio. A paisagem faz parte do teatro grego, construido no Séc. III AC.


MONTE ETNA...

O Etna é o maior vulcao europeu activo. Temido e amado pela populacao, o Etna é fogo e neve, vegetacao luxuriante e lava negra. O escritor italiano Leonardo Sciacia chamou-lhe "um enorme gato, que ronrona quietamente e que acorda de vez em quando". Ainda bem que nao acordou quando nós lá estavamos...
MONTE ETNA, Cratera Silvestre

Dorme, gatinho!...

Thursday, August 11, 2005

Carção

A aldeia é uma entre tantas outras, num ponto remoto de Trás-os-Montes, plantada pelo acaso nos ombros anosos das montanhas, longe de tudo, à distância quase do pensamento. É talvez impossível compreender as razões da fixação de um povoado naquele local exacto. Não se trata de uma área particularmente fértil mas conhecendo a região é impossível encontrar uma outra muito diferente. A aridez do solo e a rudeza do clima são acentuadas pela ausência de um curso de água nas proximidades e pela inexistência de floresta. O rio Maçãs, afluente do Sabor, serpenteia impávido por entre os montes a vários quilómetros da aldeia.
Uma colina no centro sustenta a igreja e a partir daí, espalham-se em todas as direcções, especialmente no sentido do poente, as casas de cerca de oito centenas de habitantes.
Na altura em que nasci a maioria das habitações apresentava as características da construção tradicional, feitas de pedra e de madeira, cimentadas com uma mistura de argila, palha e pêlos de animais e cobertas com telhados de xisto. Normalmente eram constituídas por um rés-do-chão onde se situava o alojamento dos animais, a adega e um local para arrecadar a produção agrícola. Por cima, para aproveitar o calor gerado pelos animais e pela fermentação do estrume por eles produzido, localizavam-se a área habitacional. Uma cozinha, sempre com a incontornável lareira, muitas vezes sem mesmo uma chaminé, para facilitar a cura do fumeiro, constituía na maior parte dos casos a primeira divisão. Daí, um corredor levava ao reduzido número de quartos que albergava a sempre numerosa família. O interior das habitações era sempre muito escuro, as divisões possuíam janelas muito pequenas para conservar o calor gerado pela lareira no Inverno e para impedir que a ardência do Verão nelas entrasse.
Movimentando-nos para a periferia, começavam a aparecer casas modernas, pintadas de cores garridas, a anunciar um novo status, quem sabe uma barreira mental para expugnar as lembranças de um passado de miséria. Lenta mas insidiosamente, muitas das casas originais foram demolidas e substituídas por edifícios pretensiosamente disformes, anfractos, incaracterísticos.
Do cimo da torre da igreja, o sino chamava às Avé Marias, à Missa de Domingo, anunciava as desgraças, os casamentos, os baptizados e os funerais com uma melodia específica para cada acontecimento. Um relógio de ponteiros robustos, dividia pacientemente o tempo e sacudia os sinos de meia em meia hora com um vigor arrebatado. Não creio, no entanto, que essa divisão artificial tenha tido algum dia um significado infenso. A vida e o ritmo das pessoas eram determinados pela vontade imperiosa da terra, pelas estações, pelo sol e pela amplitude dos dias. As horas tinham muito pouco significado, mas os sinos ouviam-se do termo (nome geral dado aos montes adjacentes onde se situavam as terras de cultivo, os pastos, as oliveiras), serviam de elo imaginário com o aconchego do lar e contribuíam para salientar a altura do sol e justificar a fome se as badaladas se aproximavam das doze.

Wednesday, August 10, 2005

VISÕES

Há quem ria por aí?
Há quem chore?
... ... ...
Eu só canto, ferida
De um canto fundo. Só.
Mordo o silêncio.
Despedaço-o com as goelas.

Dançam corpos no escuro.
Visões.
Sombras de ontem,
Molhadas de uma chuva
Que todos os dias cai
Do céu frio do meu rosto.

Inicio

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assim, a primeira, é dificil (olha, o estupor do teclado nao tem acentos graves nem me coloca acentos nos iis... comecamos bem... nem cedilhas tenho... é para a desgraca)... e dificil encontrar razoes (til? onde?) sólidas para iniciar um blogue. Blogues, como se diz de outras coisas, há muitos. Talvez este seja apenas um desabafo de mim a mim. Ou talvez, com um pouco de sorte, um ponto de encontro com amigos distantes, ou uma ardosia virtual que me obrigue a exercitar o saudoso idioma luso, tao ausente do meu quotidiano.
Há-de ser o que for...